Uma sede suada | Versão para impressão |
Testemunho de José dos Santos Tomás, Sócio nº 17, em Julho de 1999

Ao festejarmos os 75 anos do I. F. C. Torrense, proponho-me lembrar aos nossos associados um facto importante na vida do Clube, que foi a construção da actual Sede.

Vou relatar aqui aquilo em que colaborei activamente, não só como director do Clube mas também como membro da Comissão de Festas e simultaneamente membro da Comissão de Melhoramentos, a quem se deve a construção do edifício-sede iniciada em 1953.

Quando nasci em 1931, já o Clube tinha alguns anos, mas ainda convivi com alguns dos seus fundadores. A primeira Sede, onde nasceu o Clube, foi na Adega do Lambeta, na hoje chamada Rua do Casal do Marco. Quando comecei a ter conhecimento das coisas, já a Sede do Clube era na hoje chamada Av. M.F.A. no 1º andar direito, no nº 54, onde continuou até ser feita a nova Sede. Essas instalações eram exíguas, sem condições, apenas tinha uma sala com cerca de 10mx8m, mais uma pequena divisão que fazia de gabinete da direcção e um cubículo que fazia de bar, onde só cabia uma pessoa.

Nos dias em que havia baile, com a sala a rebentar pelas costuras, o chão oscilava com o peso das pessoas, de tal modo que o proprietário do estabelecimento do rés-do-chão, que era também a sua residência, nesses dias, saía de casa com medo que aquilo viesse abaixo, mas felizmente a tragédia nunca se deu.

A partir de certa época, teria eu talvez uns dez anos, começou a utilizar-se, como salão de festas ao ar livre, um pátio situado na retaguarda da Sede, com entrada pelo portão de ferro no nº 50 da mesma avenida. Esse espaço ainda existe, mas agora como recolha de viaturas. Era nesse pátio que no Verão fazíamos as nossas festas, principalmente bailes e certames de fados.

Foi aí que se ganhou algum dinheiro empregue na construção do edifício. Chamo a atenção para o facto de, nem na Sede nem no referido pátio, existir qualquer tipo de instalações sanitárias, aliás, poucas casas de habitação na Torre da Marinha naquele tempo as teriam.

Por todas essas razões e mais algumas, um grupo de Sócios do Torrense formaram a Comissão pró-Sede, com intenção de construir uma nova Sede, angariando algum dinheiro, não sei quanto, mas por aí ficaram. A ideia foi retomada por outras pessoas com mais dinâmica, mas também com outras bases e, por isso, com mais possibilidades, conseguindo dar realidade a essa velha aspiração dos Torrenses.

Havia nesse tempo um grupo de Torrenses que anualmente realizavam as Festas da Torre, consideradas as melhores do Concelho, que ainda hoje se fazem mas com a designação de Festas da Freguesia de Arrentela e, obviamente, realizadas pela Junta de Freguesia de Arrentela.

Essas festas todos os anos deixavam saldo positivo, que era acumulado com a intenção de construir algo na nossa terra. Mas o dinamizador dessas festas era o saudoso António Cardoso, que por se ter incompatibilizado com a Direcção do Clube, estava de costas voltadas para a colectividade.

E é aqui que entra outra personagem, não menos importante para a história do Clube, que foi Tomaz Dias Ferreira, pessoa boa e de ideias esclarecidas, conseguindo que o Cardoso voltasse a ser sócio do Clube e ambos resolveram colocar a ideia de uma nova Sede em marcha.

Depois de várias reuniões em casa do Tomaz Dias Ferreira, para as quais foram convidados alguns Torrenses com vontade de trabalhar, constitui-se a Comissão de Melhoramentos com os seguintes elementos:

António Cardoso, Tomaz Dias Ferreira, Artur Rodrigues Mata, João Gomes Cortegaça, Virgílio Tavares Neves, Joaquim Rodrigues, Manuel Batista Silveira, Cassiano Silvestre, António Pereira, Manuel Oliveira, José Santos Tomaz.

Na primeira reunião da Comissão, em 1951, foi lido um documento e depois assinado por todos os elementos, em que nos propunhamos levar a efeito a construção da nova Sede.

Nessa reunião ficou determinada a estratégia a seguir para serem rentabilizados os poucos recursos de que iríamos dispor... Assim, a partir dessa data, todas as comissões de festas e direcções do Clube tinham de ser integradas por elementos da Comissão de Melhoramentos, com o fim de as dinamizar e poupar recursos.

Entretanto, avançou-se para a compra do terreno, que custou quatro mil escudos, quantia irrisória agora, mas muito grande naquele tempo.

A etapa seguinte foi carregar toda a pedra que foi empregue no edifício, desde o Fogueteiro, onde estava, para o local da obra. Essa pedra, que era propriedade de um particular e que seria para construir um colégio naquela localidade, não tendo sido autorizada a construção, foi, por esse motivo e a nosso pedido, oferecida à nossa Colectividade.

Essas muitas toneladas de pedra foram carregadas aos domingos e feriados, em camiões cedidos pelos seus proprietários, com o esforço físico dos elementos da Comissão e de muitos torrenses anónimos, que muito trabalharam nessa e noutras tarefas difíceis e necessárias, gratuitamente.

Depois, a Comissão fez um pedido ao Ministério da Agricultura de então para nos ser autorizado o corte de um certo número de pinheiros, do pinhal da Machada, junto ao quartel dos fuzileiros navais. O pedido foi aceite e, então de novo, os membros da Comissão, acompanhados de um profissional no corte de madeiras e alguns populares, cortámos e transportámos em camiões emprestados, para o local da obra, muitos metros cúbicos de madeira de superior qualidade.

Depois de transformada em barrotes e ripas para o telhado do edifício, foi por nós transportada aos ombros para o rio e aí foram estivadas e seguras por estacas enterradas no lodo. Aí esteve essa madeira dentro de água salgada para não mais apodrecer, creio que mais de um ano. Foi depois retirada do rio e transportada para o local onde ia ser empregue, aos ombros das mesmas pessoas.

Quando em 1953 se deu início à obra com o lançamento da primeira pedra, numa cerimónia em que a Banda da Arrentela deu alegria com a sua música e na presença das entidades oficiais do Concelho e do prior da Freguesia, o povo da Torre da Marinha exultou-se de alegria com a perspectiva de vir a ter uma nova Sede, que muito viria a valorizar a nossa terra.

A obra levou muitos anos a fazer, porque um dos princípios programáticos da Comissão era fazer a obra só com os nossos meios, sem nunca recorrer a empréstimos, para não corrermos o risco de hipotecarmos o futuro do Clube.

Além disso, o tipo de construção com as paredes todas feitas com pedra e cimento era um trabalho difícil e moroso. Não havia betoneiras e toda a argamassa teve de ser amassada manualmente, nem havia guindastes e todo o material foi transportado por escadas e andaimes às costas do pessoal, com um enorme sacrifício físico, tendo em conta que uma grande parte das pessoas que colaboraram não tinham experiência nesse tipo de trabalho. Assim, a obra crescia quando havia dinheiro e parava enquanto se arranjava mais.

Logo que o novo edifício teve algumas condições (com as janelas fechadas com taipais de madeira e o chão em terra batida), logo começou a vida do Clube a pulsar dentro dele. Acabou-se por abandonar de vez a velha Sede e, ao fim de muitos anos de luta e sacrifícios pessoais de vária ordem, a Comissão de Melhoramentos foi-se extinguindo aos poucos, sendo um dos últimos a abandoná-la a pessoa que mais se sacrificou e mais lutou para fazer aquela obra: João Gomes Cortegaça!

A obra ficou inacabada, o primeiro piso ainda não tinha as portas das janelas e os acabamentos interiores e exteriores estavam por fazer. Foram depois as direcções do Clube, que por lá passaram ao longo dos anos, que fizeram o muito que ainda faltava.

Apesar de tudo, valeu a pena os nossos sacrifícios e a obra aí está de pedra e cimento, para durar muitas vidas, que deu vida à Colectividade e à nossa terra.

Para finalizar estes meus apontamentos, quero prestar uma justa homenagem a todos os sócios e amigos do Clube que contribuíram com o seu esforço e boa vontade para que fosse possível pôr de pé esta obra. Muitos não conhecia e não me lembro do nome da maioria deles. Para não cometer injustiças, vou apenas citar dois nomes que simbolizam, de algum modo, todos aqueles que não fazendo parte da Comissão foram fundamentais neste empreendimento. O projectista Américo de Jesus Alexandre, que executou o projecto do edifício e que apenas simbolicamente foi compensado pelo seu meritório trabalho e José Realista (já falecido), que foi o responsável técnico pela construção do edifício.

Bem haja quem nos ajudou e se sacrificou a realizar com êxito este sonho!...